27.11.07

Inclusão de crianças especiais na sala de aula

A professora universitária e escritora, Ivanê Dantas, vem desenvolvendo projetos de pesquisa direcionado à inclusão das crianças com deficiência visual nas escolas e na sociedade, além de produzir diversos artigos que são publicados em jornais e revistas acadêmicas abordando a mesma temática que resultou num livro lançado na Bienal de Salvador em 2005.

Paloma Nogueira: Qual a maior dificuldade encontrada pelos alunos nas escolas dita regulares?

Ivonê Dantas: A escola regular historicamente tem seguido um modelo de ensino calcado na uniformização ou padronização pedagógicas, pelo qual as diferenças, peculiaridades ou necessidades especiais são, de certa forma, secundarizadas, em razão de vários fatores alegados, como, número volumoso de alunos na classe, falta de preparo suficiente dos professores, e, principalmente, a ideologia que perpassa a cultura escolar, na qual o saber ou conhecimento já vem predeterminado. Neste caso, a maior dificuldade dos alunos que possuem as chamadas Necessidades Educativas especiais é a falta de um ambiente na escola regular em que os conteúdos e as atividades pedagógicas estejam adaptados às suas características peculiares, para que ele possa acompanhar e ter um desempenho satisfatório no mesmo pé de igualdade que os seus colegas ditos “normais”. Por exemplo, não é fácil para um aluno com deficiência visual acompanhar um processo de ensino que esteja baseado, na maior parte do tempo, em materiais viso-sensoriais.

PN: Os professores da rede pública de ensino estão preparados para receber esses alunos?

ID: De modo geral, não, apesar de a LDB, no seu art. 58, estabelecer que os alunos deverão freqüentar preferencialmente a escola regular, e, no art. 59, que as escolas deverão assegurar aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas e recursos específicos para atender às suas necessidades.

PN: Como se da a inclusão dessas crianças em escolas regulares?

ID – O conceito de inclusão exige, sobretudo, a preparaçao da escola para atender a TODOS os alunos, independentemente de serem pessoas com deficiência ou não. Pressupõe a garantia dos princípios de autonomia ( direito de ir e vir), independência ( capacidade de tomar decisões) e o de equalização de oportunidades ( garantia de condições de aprendizagem para todos e a cada um em particular). Neste caso, o princípio da inclusão, pelo que foi dito acima, ainda não é uma realidade em nossas escolas regulares, principalmente a escola pública. A escola insere esses alunos nas classes,quando dispõem, principalmente, das salas de recursos ou encaminhando os alunos a centros especializados, como forma de apoio pedagógico à aprendizagem , o que se identifica mais como uma integração escolar, antes que inclusão, propriamente, porque é uma condição apenas parcial de adaptação .

PN: Existe alguma lei que assiste esse direito ou a escola pode se recusar a receber o educando?

ID: O termo “preferencialmente”, que faz parte do Artigo 58, abre a prerrogativa de o aluno ser educado em ambientes especializados. Por outro lado, a importância política que se insere em tal termo, requer que a escola regular envide esforços para receber o aluno, garantindo as condições internas possíveis para facilitar a sua aprendizagem, tal como as salas de recursos, ou, principalmente em casos mais complexos, tais como, deficiência mental, encaminhando os alunos a centros especializados, que poderão complementar a sua formação. O importante é fazer com que a criança se eduque através de oportunidades interativas, sem ficar totalmente segregado, para não comprometer a sua socialização e direito de participação social, como cidadão.

PN: Por que o uso do termo: “portadores de necessidades especiais” não é bem visto pelos pesquisadores e pelas pessoas que possuem algum tipo de deficiência?

ID: Duas críticas são feitas neste sentido:
A primeira é a de que o termo é vago e não define o que são verdadeiramente essas necessidades especiais, podendo, daí, implicar a exclusão das classes regulares de um grupo de crianças que não são deficientes, sob a alegação de que são portadores de NEE. Por outro lado, as deficiências em si não são um fardo a ser carregado, mas condições que fazem parte da identidade da pessoa, portanto esta tem que ser reconhecida e respeitada enquanto tal. Esta tentativa lingüística de minimização do estigma da pessoa com deficiência, evitando o termo “pessoa deficiente”, não encontra consistência na expressão de que estamos falando.

PN: Como se dá uma inclusão e a integração dessas crianças na sala de aula?

ID: A inclusão é uma expressão nova, surgida a partir dos anos 80, calcada, sobretudo nos movimentos políticos e sociais a favor de uma educação de qualidade para todos. Envolve o direito ao exercício de cidadania e requer a transformação da escola e da sociedade para incluir todos os educandos na corrente educacional. Neste caso, ainda é uma utopia,a qual, com o recrudescimento desses movimentos em favor das pessoas com deficiência, vem tomando mais força a cada dia. A integração é um conceito mais restrito, que implica certas condições adaptativas da escola voltadas para a pessoa com deficiência. Mesmo assim, nem todas as escolas possuem essas condições ou elas são insuficientes.

PN: A inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais também acontece no EJA?

ID: Não tenho conhecimento de um programa pedagógico especial destinado às pessoas com deficiência e também não disponho de informação sobre a existência dessas pessoas nos cursos da Instituição e nem sobre como são assistidas curricular e pedagogicamente.

PN: O currículo é o mesmo para uma classe inclusiva levando em consideração que o processo cognitivo é mais lento para uma pessoa com necessidades especiais?

ID: Em primeiro lugar não se pode falar de processo cognitivo mais lento para todos os tipos de deficiência. Pelo contrário, com exceção das crianças com deficiência mental, aquelas com os demais tipos de deficiência são cognitivamente normais como quaisquer outras e até mais dotadas, como no caso daquelas ditas portadoras de altas habilidades”. O que é necessário é a eliminação do preconceito na própria escola e na sociedade, que, muitas vezes, associa as duas coisas.
O currículo inclusivo requer adaptações em níveis maiores ou menores ( adaptação parcial ou total) para adequar totalmente o processo pedagógico às peculiaridades dos alunos de toda a classe. Por exemplo, Gortázar( 1995) fala em :

currículo com alguma modificação – inclusão ou modificação de certos objetivos ou metodologias e o aluno permanece na sala regular a maior parte do tempo ;

currículo com modificações significativas – os alunos permanecem fora da sala de aula em períodos mais longos, recebendo reforço expressivo em áreas específicas, como, de linguagem e matemática, por exemplo, como no caso de alunos surdos;

currículo especial com adições – o aluno permanece fora da sala de aula a maior parte do tempo, sendo apoiado de forma mais concentrada em algumas matérias, dedicando-se menos às demais. Participa com os demais alunos apenas em situações escolares eventuais. São casos mais graves , como por exemplo, de deficiência mental;

currículo especial – apesar de fazer parte da comunidade escolar, o aluno é atendido basicamente em unidades de educação especial existentes na escola.

PN: As atividades produzidas são as mesmas para toda a turma?

ID: A depender do tipo e da gravidade da deficiência, podem ser as mesmas, em condições adaptadas, tais como, a transcrição do conteúdo do material didático para o Braille, no caso de cegos, a presença de pessoas com conhecimento de língua de sinais (LIBRAS) para comunicação simultânea do conteúdo de uma aula com atividade oral, no caso de surdos. No caso de situações de maior gravidade, os objetivos e os conteúdos devem ser dosados de acordo com as possibilidades do aluno no tempo programado pela escola. O tempo é também outro fator que deve ser considerado, tendo em vista que os alunos com deficiência podem requerer um tempo maior para as respostas, de acordo com o seu nível de habilidade, tal como, na leitura e na escrita em Braille, no caso de cegos.

PN: Como se dá o processo de avaliação para uma criança com deficiência visual?

ID: Considerando a peculiaridade da ausência total ou parcial da visão, suas implicações devem ser levadas em conta. Por exemplo, na avaliação chamada de produto, uma prova ou trabalho escrito deve ser obviamente transcrito para o Braille em tempo hábil. Da mesma forma, o tempo destinado ao aluno para responder deve considerar a peculiaridade desse sistema, cujos símbolos da escrita requerem mais movimentos motores que os símbolos do código da nossa língua escrita.De qualquer forma, a essa criança deveriam ser mais oportunizadas não só avaliações como atividades orais. Por outro lado, o seu processo de aprendizagem deveria ser avaliado de forma mais processual, para se identificar possíveis dificuldades, levando em consideração a ausência ou deficiência de condições inclusivas que normalmente caracterizam a escola regular.

PN: Quanto custa em média a ferramenta para ler e escrever utilizada pelas pessoas com deficiência visual?

ID: Essas pessoas utilizam basicamente duas ferramentas chamadas de reglete e punção, para escrita em Braille, que custa em torno de 60,00 reais. O sorobã, para cálculos matemáticos, custa 40,00.

PN: Quais avanços a pedagogia tem realizado para garantir a inclusão?

ID: se formos considerar esses avanços em termos de estudos e contribuições teóricas, a mudança do paradigma médico para o paradigma social, e, mais recentemente, a emergência do conceito de inclusão vêm proporcionando a expansão de trabalhos dedicados à área de educação especial, de pesquisas, estas sobretudo no sul e sudeste do País, do incremento de publicações e eventos científicos.
Em termos práticos, os avanços têm sido mais lentos, pois as escolas regulares ainda vêm atuando basicamente através do apoio especializado de institutos ou com base no trabalho do professor de apoio, por meio das salas de recursos, mesmo assim, com número insuficiente de profissionais especializados. A lentidão do processo de inclusão deve-se sobretudo à falta de professor devidamente qualificado e dificuldades de recursos materiais e de adaptação física das instalações.

PN: O governo tem realizado algum projeto para auxiliar o professor para inclusão na sala de aula?

ID: No Estado da Bahia, a Secretaria de Educação mantém na sua estrutura uma Gerência de Educação Especial, institutos especializados de apoio pedagógico, tal como o CAP, destinado aos alunos com deficiência visual, e oferece cursos de treinamento para professores através do IAT. Entretanto, falta uma política mais agressiva e abrangente para capacitação de professores, incremento dos profissionais técnicos da Secretaria de Educação e mais assistência e aparelhamento das escolas, quanto a instalações e equipamentos. Considerando-se que existem quase 10 % de pessoas com deficiência no total da população baiana e que apenas 5% delas recebe algum tipo de assistência educacional , é urgente um esforço mais expressivo para que se possa caminhar no sentido da inclusão.

PN: As escolas públicas de Salvador estão preparadas, quanto ao espaço físico, para essa demanda discente?

ID: Não tenho dados mais precisos para atender a tal questão, mas, considerando a minha experiência de pesquisa com alunos com deficiência visual em uma escola pública de grande porte, pude constatar que essa condição não existia, apesar de abrigar um número significativo de crianças com essa deficiência, sem contar os demais tipos, possivelmente existentes.

PN: Como é realizado o trabalho com os pais dessas crianças para auxiliarem seus filhos na questão educacional?

ID: De modo geral, considerando a minha experiência, na escola regular a participação dos pais, no sentido de orientação pedagógica, era pequena, até porque, os professores, que lidavam mais diretamente com os alunos, não tinham domínio suficiente das implicações pedagógicas do trabalho com pessoas com deficiência, conforme já foi salientado. De modo geral, os professores alertam os pais sobre as dificuldades de desempenho, para que tenham conhecimento e possam eventualmente buscar apoio em unidades especializadas. A aproximação maior entre a família e o centro educacional se fazia sentir mais de perto nos centros especializados, tal como na unidade que investiguei, destinada ao apoio pedagógico ao deficiente visual.

A APAE é uma das principais referências de educação especial na Bahia. Confira a reportagem realizada por Juracy dos Anjos



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