15.10.06

REPORTAGEM - Brasil: depósito dos pneus

Brasil: depósito dos pneus

Por Paloma Nogueira e Dayane Trindade

No ano de 2000, o Brasil havia proibido a importação de pneus usados, assim como para todos bens utilizados para consumo ou uso como matéria-prima, como é previsto na Convenção de Basiléia. Porém o governo resolveu acatar a decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul em 2003, obrigando-nos a aceitar o limite de 130 mil pneus ao ano, remoldados no Uruguai. Desprezando questões ambientais importantes no processo, considerando apenas aspectos comerciais. Logo após a decisão do Mercosul, produtores de países europeus, como Reino Unido, Itália e Espanha, apelaram à Comissão Européia alegando supostos impedimentos à importação de seus lixos (pneus usados), informando que haveria prejuízos comerciais com o fim das exportações para o Brasil. A OMC (Organização Mundial do Comércio) nos obriga a comprar pneus remoldados de outros países, enquanto o nosso governo proíbe fábricas brasileiras de importar os mesmos produtos que também são usados como matéria-prima para a remoldagem.
Em uma oficina na Av. Tancredo Neves, o mecânico Genivaldo Ramos diz não saber o que fazer com os pneus que já não servem para recapiamento ou vulcanização. “Jogo nos grandes baldes de lixo espalhados pela cidade ou na estrada”, assume. Cerca de 130 pneus são jogados fora mensalmente na oficina de Genivaldo há mais de 12 anos, somando uma média de 18.720 abandonados na natureza por um só profissional. Na mesma Avenida encontramos uma outra borracharia que doa uma quantidade de pneu semelhante para grupos de reciclagem. “sempre passa alguém por aqui pedindo pneu para reciclagem. Não é uma instituição específica. São várias pessoas que pedem e agente dar. Estocamos tudo no fundo da borracharia que sempre aparece alguém”, conta o mecânico Wellington Suzarte.
O que fazer com os pneus que não servem mais para nada é a questão central que norteia discussões, sendo um desafio para todos os países do mundo. Alguns tentam resolver o problema mandando seus resíduos como uma solução ambientalmente adequada ou como uma ajuda humanitária para países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil. Nesse ano, a Europa proibirá aterros e eles vão ter que dar fim a 90 milhões de pneus. Pobres dos países como o Brasil...
Embora alguns representantes ambientalistas tenham se manifestado e representantes do governo tenham questionado durante a audiência pública, prevaleceu a força capitalista desenfreada.
A reciclagem parece ser a melhor opção para dar fim a esses objetos. No bairro de Paripe, no Subúrbio Ferroviário, existe um parque que usa pneu na decoração, garantindo a diversão da criançada. Carol Almeida, 12, brinca diariamente na praça e diz: “Amo esse parquinho e acho muito legal usar o pneu no balanço porque é mais macio”, conta. Na praia de São Tomé de Paripe muitas crianças, como Gustavo Matos, 9, utilizam o pneu como bóia. “Gosto de brincar com o pneu na água e sempre consigo um novinho na borracharia perto da minha casa”, fala. A utilização do material que já não serve mais pode fazer a diferença quando transformado em objetos lúdicos, poupando o meio ambiente.
No ano passado cerca de 10 milhões de pneus para recauchutagem entraram no nosso país com a desculpa da baixa qualidade dos pneus nacionais, ocorrentes do desgaste inadequado, baixo poder aquisitivo da população e qualidade das nossas estradas, onde o sistema de transporte é baseado nas rodovias causando maior consumo de pneus. Vale lembrar que aqui são produzidos uma quantidade mais que suficiente para nossa nação.
Esse lixo europeu que é depositado aqui não é biodegradável e se queimado, libera substâncias cancerígenas. Armazenados, ocupam muito espaço além de servir de depositário para proliferação de mosquitos transmissores de doenças tropicais. Como aconteceu com a moradora do bairro Estrada das Barreiras, Grece dos Santos, 22, que presenciou a queimada de pneus de uma oficina ao lado da sua casa. “A fumaça invadiu minha casa, deixando o ar totalmente poluido além de uma grossa camada preta que se alastrava muito rápido em todo ambiente”, conta a comerciante que passou uma hora deitada no chão com sua família em busca de oxigênio. Depois do incidente, moradores da comunidade como Osmar Santos, 54, procurou tomar alguma providência em relação ao crime ambiental: “Procurei a oficina e tentei organizar um movimento na comunidade, mas não deu em nada”, conta o aposentado indignado. Segundo o morador, há sete meses não se queima pneu na região, mas o risco de poluição não diminuiu, pois os pneus são jogados em um matagal no fundo da borracharia. Os mecânicos procurados no dia 28 de setembro não quiseram comentar.

Curiosidades – Os pneus não são biodegradáveis, seu tamanho dificulta o armazenamento, se queimados libera substâncias tóxicas e cancerígenas, como dioxinas e furanos. Se jogados nos rios, obstruem passagem de água podendo causar alagamentos e se expostos ao tempo, retém água da chuva criando um reservatório de mosquitos da dengue, por exemplo.

o que diz a Lei? A Resolução 258/1999 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) prevê a destinação gradativa e o recolhimento de pneus usados. Contudo, parece não ser suficiente para eliminar os pneus estocados no Brasil.

A história do pneu: O pneu passou por muitas etapas até se tornar o que é hoje. No século 19 surgiu a idéia de montá-lo a partir de uma goma “grudenta” chamada borracha, que na época era utilizada para impermeabilizar tecidos. O americano Charles Goodyear confirmou por meio de experimentos que a borracha cozida em altas temperaturas com enxofre, ficava com textura elástica tanto no calor quanto no frio. Foi assim que se descobriu o processo de vulcanização da borracha que, além de dar o formato à roda, aumenta a segurança quando se freia e diminui as trepidações nos carros. No ano de 1845 os irmãos Michelin patentearam o pneu de automóvel. Depois o inglês Robert Thompson colocou uma câmara de ar dentro dos pneus de borracha maciça e a partir de 1888 começou a fabricação de pneus em larga escala. No Brasil, a produção ocorreu em 1934, quando foi implantado o Plano Geral de Viação Nacional, mas somente em dois anos depois aconteceu a concretização desse projeto quando foi instalada a Companhia Brasileira de Artefatos de Borracha que no primeiro ano fabricou mais de 29 mil pneus. Hoje, o Brasil é o sétimo na lista de produção mundial na categoria de pneus para automóveis e o quinto para caminhão, ônibus e caminhonetas.

Convenção de Basiléia - O que foi a Conferencia de Basiléia?
Foi uma Conferência diplomática promovida pelo PNUMA na cidade de Basiléia, Suíça. Ela ocorreu em março de 1988, onde 105 países e a Comunidade Européia assinaram a Convenção da Basiléia para o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua disposição. Mas o acordo só entrou em vigor em 1992. Em 2000 já eram 136 países participantes da convenção.
Alguns dos objetivos da convenção de Basiléia:
• minimizar a geração de resíduos perigosos
• proibir o controle de resíduos liberados por países em desenvolvimento;auxiliando-os com as economias e os resíduos por eles liberados;
• promover o monitoramento do tráfego ilegal de resíduos perigosos;

Resíduos considerados perigosos:
Resíduos com ligas de arsênio, cádmio, chumbo e mercúrio, aparelhos ou restos de aparelhos elétricos/eletrônicos, etc..
Resíduos não perigosos:
Sucatas de ferro e aço, resíduos de cerâmicas, etc..